Enquanto 18 pacientes agonizam à espera de uma vaga na UTI do Hospital Regional de Campo Grande, o governo de Mato Grosso do Sul resolveu que o sábado seria dia de “Escândalo Íntimo”, nome do mais recente álbum da cantora Luísa Sonza, que se apresentará hoje (4) no Parque das Nações Indígenas. O evento é gratuito para o público, mas custou R$ 450 mil aos cofres públicos, valor pago diretamente à artista pelo Estado.
Sim, é isso mesmo: quatrocentos e cinquenta mil reais de dinheiro público para um show de uma hora, conforme publicado no Diário Oficial do Estado. Uma das atrações mais caras do projeto MS Ao Vivo, que vem fazendo barulho mais pelas cifras do que pela cultura.

A decisão, porém, não parece estar desconectada do momento político. O governador Eduardo Riedel (PSDB) tem motivos para se preocupar: o calendário eleitoral se aproxima e a imagem pública precisa de retoques. E, como já ensinou o marketing político moderno, nada como um palco, holofotes e uma plateia animada para tentar disfarçar problemas mais sérios como a crise na saúde pública e a desassistência de pacientes graves.
O palco é dela. A conta, nossa.
Sob o pretexto de “democratizar a cultura”, o Governo do Estado, por meio da Setesc (Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura) e da Fundação de Cultura (FCMS), em parceria com o Sesc-MS, bancou o show de Luísa com pompa, holofotes e zero transparência sobre os critérios de contratação. O processo foi por inexigibilidade de licitação, ou seja: sem concorrência, sem cotação e sem diálogo com o contribuinte.
O secretário Marcelo Miranda afirmou que o objetivo é equilibrar identidade cultural local com grandes nomes nacionais. Se isso é equilíbrio, talvez devêssemos redefinir o que significa “valorização da cultura local”, já que a prata da casa, a cantora sul-mato-grossense Paolla, abrirá o evento, mas certamente por uma fração do valor pago à artista do mainstream.
O palco da saúde? Esse segue apagado.
Enquanto isso, o Hospital Regional, principal unidade de saúde gerida pelo Governo do Estado, vive um colapso. No dia 29 de abril, havia apenas 6 leitos disponíveis para 18 pacientes à espera de UTI. A taxa de ocupação chegou a 100%, segundo a Secretaria Municipal de Saúde da capital. Em outras palavras: não há dinheiro para manter leitos abertos, mas há verba de sobra para turnê pop com iluminação cênica e playback afinado.

A ironia trágica é que Luiza Sonza atacou publicamente a gestão federal anterior, de Bolsonaro, por “incompetência no combate à pandemia” agora, a gestão que vai bancar seu show aparentemente opta por priorizar o entretenimento em detrimento da saúde pública. Alguém avisa a Luísa que a crise hospitalar, desta vez, é aqui e agora, e financiada por ela também, indiretamente.
A cantora que odiava o governo agora canta por ele

Vale lembrar: em 2021, Luísa Sonza foi às redes sociais dizer com todas as letras: “Bolsonaro, eu te odeio.” Indignada com as mortes da pandemia, criticava o investimento insuficiente em saúde, o negacionismo e a falta de vacina. Pois bem. Três anos depois, a mesma Luísa Sonza desembarca em um Estado com filas por UTI, bancando seu show com verba pública estadual, sem fazer uma linha de crítica, afinal, agora o cachê está em dia e o contrato assinado.
Não se trata de moralismo, mas de coerência, algo raro no mainstream brasileiro e ainda mais escasso no setor público.