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    Oppenheimer é Christopher Nolan em seu melhor – e mais bizarro

    Filme foge das convenções da biopic ao exacerbar obsessões psicossexuais do diretor

    Oppenheimer é Christopher Nolan em seu melhor – e mais bizarro

    A fama de Christopher Nolan o precede – e isso nem sempre é muito bom para os seus filmes. Comercialmente, é claro, Hollywood ama um “diretor de grife”, que não depende de grandes astros para garantir um público cativo nas salas de cinema. Artisticamente, é outra história. Ser um cineasta como Nolan implica fazer parte de um discurso cultural, um pouco construído por ele próprio, um pouco evoluído a partir de trocas semânticas que fogem inteiramente do seu controle – e, quando as expectativas desse discurso se chocam com a realidade de uma obra tão pessoal quanto Oppenheimer, o desastre é quase certo.

    Isso porque existe a possibilidade muito real de o filme só ser entendido a partir de parâmetros que não fazem jus a ele. O foco inclemente nas proezas técnicas da vez, na forma como o longa deve ou não ser assistido, em quanto tempo durou as filmagens, nos seus prospectos de Oscar… tudo isso é – nas palavras certeiras de James Mangold sobre Indiana Jones 5 – papo de marketing. Assistir ao filme e absorvê-lo nesses termos seria um triunfo da promoção, de um Discurso™ fabricado e alimentado artificialmente, em oposição a uma realidade muito mais interessante: Oppenheimer é um filme estranho para c*ralho.

    Só para início de conversa, esta é uma cinebiografia científica que trata seus diálogos técnicos sobre as complexidades do mundo quântico como mera decoração de vitrine, barulho de fundo para as relações interpessoais carregadas de neuroses que formam o seu verdadeiro interesse narrativo. Nenhum fã – ou espectador casual – dos filmes de Nolan vai se surpreender muito com as preocupações que ele elabora no seu roteiro: o homem e a mulher como portadores pesarosos do fardo um do outro; a amizade masculina como campo minado de tensões sexuais e relações de poder reprimidas; o ego como força que impele o ser humano em direção às suas obsessões, e a necessidade de compartilhá-las com o outro.

    De certa maneira, a história de Oppenheimer – um homem genial e insaciável em sua ânsia de ser reconhecido por essa genialidade, empurrado ao isolamento sentimental e político pela forma como essa ânsia o consumiu – encapsula essas obsessões como nenhuma outra que Nolan encontrou até hoje. Conscientemente ou não, o cineasta entende isso e encontra nesse filme a oportunidade de trazer à superfície todas essas preocupações, transformar em cenas de sexo perturbadoras o que antes eram “só” inferências de perturbação, expressar a fixação do seu Oppenheimer por um mundo que só ele enxerga através de inclusões intermitentes de paisagens cósmicas acompanhadas por sintetizadores opressivos.

    Nem no filme em que literalmente colocou seus personagens dentro da cabeça de outras pessoas (A Origem), Nolan se permitiu tanto expressionismo quanto em Oppenheimer. É verdade que, naquela oportunidade, ele não tinha ainda uma montadora do calibre de Jennifer Lame à sua disposição – é nas costuras dela que o novo longa toma uma forma poética até então elusiva para o cineasta, conectando imagens e períodos díspares da vida do protagonista para criar rimas temáticas nem sempre exatas, mas invariavelmente eficientes. Oppenheimer é muito mais um filme sentido do que pensado, e ver Nolan tatear pelo caminho escuro das suas fixações dessa forma mais solta é honestamente excitante.

    O aspecto da história que fica menos bem servido por essa abordagem é o político, claro. Sempre elusivo em sua filosofia, Nolan busca nas alianças inconsistentes do seu protagonista uma saída para justificar o pensar dúbio que sempre caracterizou os seus filmes “políticos”. Funciona no sentido em que Oppenheimer se engaja com a possibilidade aterrorizante da destruição e da violência muito mais de frente, até pela natureza dos grandes feitos do seu biografado, o que dá mais impacto do que o normal para as platitudes que Nolan estádisposto a assumir (a bomba atômica foi mesmo ruim, pessoal!).

    Não funciona, por outro lado, quando o filme dança ao redor de simbolismos para evitar culpabilizar o complexo militar americano pelo uso da bomba, escondendo-se por trás de minúcias humanas (medo, paranoia, sede de poder) que falham em explicar a desumanidade do ato que elas causaram. Cillian Murphy faz um trabalho refletido e visceral que implora que entendamos, mas não simpatizemos, com os erros de Oppenheimer; e Matt Damon está excelente como o lobo em pele de cordeiro que trabalha para minar os interesses genuínos do protagonista enquanto posa como seu aliado, escondendo na fachada do burocrata um exercício quieto de poder concreto, perfeitamente capaz de esmagar o poder simbólico da ciência.

    Na forma como constrói essa dinâmica, a dupla de atores manda uma mensagem muito mais clara do que o próprio filme parece disposto a mandar. Oppenheimer é muito mais sólido, enfim, como exercício estético-terapêutico extrapolado em filme do que como cinema-mensagem, cinema-manifesto, ou mesmo cinema-espetáculo. Mas eis a boa notícia: se você veio aqui por Nolan – o Nolan de verdade, não aquele fabricado pelos gatekeepers do prestígio e do dinheiro hollywoodiano – não dá para ficar mais Nolan do que isso.

    O resumo é do Omelete e em uma projeção de até 5, a sua nota foi de 4, classificando o filme como ótimo.

    Redação
    Redação
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